O momento da criação é extremamente diferente para cada artista, cada um se inspira e escreve de maneiras diversas. Alguns como Moraes Moreira, por exemplo, tiram de situações da própria vida pessoal - ou dos relatos dos amigos - motes pra canções como, por exemplo, a música “Lá vem o Brasil descendo a ladeira”, que veio de uma frase de João Gilberto ao ver uma mulata descer o morro cedo da manha indo pro trabalho, até mesmo a faixa titulo do grande Acabou Chorare que é inspirado na filha de João Gilberto, que sempre falava isso quando o pai cantava pra ela parar de chorar e dormir. Outros artistas preferem criar uma melodia e depois colocar a letra, outros, ao contrario, levam a letra a um arranjador.
Ontem, lendo uma Matéria sobre a banda Heaven and Hell, nada mais nada menos que o Black Sabbath na sua segunda formação clássica, só que dessa vez usando não o nome da clássica banda, mais sim de seu primeiro disco dessa formação.(Que diga-se de passagem foi o melhor que fizeram, porque ficou demais o som e dessa vez estão sendo respeitados como merecem).
Voltando ao assunto...
...Pois bem, nessa entrevista, Tommy Iommi explica um pouco como foi compor o disco novo e revela outra forma de compor e bastante incomum por aqui: Cada um da banda traz um CD com varias idéias pré – definidas; riffs, linhas de baixo, melodias cantaroladas e letras, assim eles vão pegando o que melhor funciona e formam uma nova canção. Bem diferente, mais funcionou pra eles.
Posso citar o meu próprio método como exemplo, na grande maioria das vezes componho por memória afetiva, me desligo de onde quero estar pra poder me concentrar nele de fato (meio doido, de fato)
Observação valiosa:
“Uma memória afetiva pode se desenvolver a partir de uma percepção sensorial como um odor, um som, uma cor, desde que tal percepção esteja ligada a um momento afetivo importante. O resgate da memória afetiva é fundamental no nosso processo de desenvolvimento psicológico, de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Quando resgatamos nossas memórias estamos trazendo com elas a possibilidade de revisar, compreender e digerir determinadas situações que podem estar bloqueando nosso ir em frente. Podemos estar paralisados, sem perceber, em situações antigas que não foram bem resolvidas e entendidas.”
Estava escutando Jimi Hendrix e no segundo depois compus Ogunhê (que é uma música que em breve estará aqui no blog) onde simplesmente não tem nada haver com Hendrix. É um ponto de umbanda que fala sobre Ogum. Outro exemplo são minhas canções mais românticas que fiz escutando Iron Maiden! Uma outra nova canção, como a soturna Lira Curta, Valsa longa, que foi feita num momento onde eu escutava bastante Jackson do Pandeiro e Mutantes (Eu só posso rir dessas minhas Loucuras).
Definitivamente o que escuto não interfere diretamente no que componho, mais sim, é cooptado pela minha memória e se torna parte de um banco de dados ou arquétipos que vai sendo visitado sempre que é necessário ou que houver uma renovação do afeto.
Podemos assim dizer que cada um materializa seus devaneios do seu modo.
Para ilustrar melhor o que disse, deixo o poema-canção de Paulo César Pinheiro chamado Ofício, é um relato poético único sobre a força da criação:
A música me ama
Ela me deixa fazê-la
A música é uma estrela
Deitada na minha cama
Ela me chega sem jeito
Quase sem eu perceber
Quando dou conta e vou ver
Ela já entrou no meu peito
No que ela entra a alma sai
Fica o meu corpo sem vida
Volta depois comovida
E eu nunca soube onde vai
Meu olho dana a brilhar
Meu dedo corre o papel
E a voz repete o cordel
Que se derrama no olhar
Quando termino o meu canto
Depois de o bem repetir
Sinto-lhe aos poucos partir
Quebrando enfim todo o encanto
Fico algum tempo perdido
Até me recuperar
Quase sem acreditar
Se tudo teve sentido
A música parte e eu desperto
Pro mundo cruel que aí está
Com medo de ela não voltar
Mas ela está sempre por perto
Nada que existe é mais forte
E eu quero aprender-lhe a medida
De como compõe minha vida
Que é para compor minha morte